- Pai!!! Pai!!! - Gritava o pequeno medronho pendurado do ramo do medronheiro. – Estou a ficar vermelho!!! Olha bem para mim!!!
- Ah! Ah! Ah! – Riam os seus irmãos mais velhos enquanto o pai medronheiro, cheio de satisfação, mostrava os seus filhos medronhos ao astro rei: o sol.
- Estás a ficar maduro, mano novo. – Dizia um medronho mais velho. – Daqui a alguns dias estás bastante vermelho e doce como eu…
- Quando é que nós amadurecemos? – Perguntaram impacientes outros medronhos ainda verdes.
- Calma filhos! – Interviu o medronheiro. – Cada um de vocês terá o seu tempo próprio para amadurecer. Uns amadurecem mais cedo e os outros mais tarde. Assim podem alimentar durante muito mais tempo, as aves que nesta altura do ano começam a ter pouca comida.
- …Como eu por exemplo, que já hoje levei três bicadas aqui de lado – disse um medronho gordo e muito vermelho do cimo do medronheiro – Primeiro foi uma toutinegra, depois foi uma carriça que saltando de ramo em ramo, provou um pouco de cada medronho que encontrava. Por último foi um …
E já não teve tempo de acabar, porque um grande melro de bico amarelo, engoliu de uma só vez o que restava daquele saboroso medronho.
- Oooohh!!! – Disseram em coro e com medo os outros medronhos.
- Não se assustem. – Disse o pai medronheiro – o vosso irmão está muito contente, porque já cumpriu uma das três missões dos medronhos.
- Que missões? – Perguntou um medronho ainda em tom verde amarelado.
- Alguns medronhos matam a fome a vários animais, como as aves, por exemplo; outros se não forem comidos, conseguem reproduzir-se, nascendo assim novos medronheiros; outros ainda, podem ser apanhados pelo Homem, que depois os transforma em aguardente de medronho.
- Eu, por exemplo, quero ser um grande medronheiro – disse entusiasmado o medronho com que começou a nossa história.
A conversa continuou entre pai e filhos. De vez em quando surgia uma ave faminta que comia um ou outro medronho mais apetitoso.
O dia estava a mudar, o sol que há pouco sorria no céu, estava agora a ficar escondido atrás de uma nuvem ameaçadora. O vento começava a soprar e uns metros acima do medronheiro, um ouriço balouçava pendurado no ramo de um castanheiro.
De dentro do ouriço espreitavam três castanhas que a qualquer momento estavam prontas a saltar da sua protecção. O pai castanheiro, uma árvore já muito antiga, dizia ter pelo menos 400 anos.
Tinha uns troncos grossos, compridos e cheios de rugas. Nos seus ramos, balouçavam ainda ao vento muitos ouriços cheios de castanhas.
O pai de todas elas achava-se ainda um jovem. Costumava falar assim aos seus filhos: “- Dizem os Homens, que os castanheiros demoram 300 anos a crescer, 300 anos a viver e 300 anos a morrer”. Se têm razão, não sabemos, o certo é que existem em Portugal muitos castanheiros centenários e até existe pelo menos um, com cerca de mil e duzentos anos. Vive ali para os lados da Arrifana no distrito da Guarda.
Ora, estando o castanheiro e o medronheiro, neste mês de Novembro, orgulhosos de tantos filhos, eis que o céu escureceu, e com vento e chuva fortes os seus ramos rodopiavam num frenesim nunca visto. As folhas batiam umas nas outras enquanto os ramos se dobram, ora para a esquerda, ora para a direita, ora para cima, ora para baixo, sempre ao sabor do vento.
De um momento para o outro, castanhas e medronhos soltaram-se e voaram em todas as direcções aterrando uns longe, e outros perto das árvores onde até há pouco ainda estavam pendurados.
Depois desta confusão, e já com o vento calmo, foram poucos os que conseguiram resistir. Lá bem alto, balouçava um ouriço com uma só castanha escondida e assustada. Cá em baixo, o nosso amigo medronho, o tal com que iniciámos a nossa história, sentia que a qualquer momento também ele se iria desprender, pois sabia que já estava maduro e sem forças para resistir.
De repente, olhou para cima e, na sua direcção viu cair o ouriço que acabara por não se aguentar mais tempo no castanheiro.
Arrastado para o chão, o nosso amigo medronho viu-se espetado nos bicos do ouriço e lamentando a sua sorte disse: - Desgraçado de mim, tanto quis ser um medronheiro... e afinal não passo de um medronho desfeito e sem piada. Já nem as aves me querem comer.
- Então e eu? – Interrompeu uma voz vinda de dentro do ouriço. – Eu queria ser castanheiro!!! Vê lá bem a minha sorte, que caí mesmo debaixo do meu pai. Não vou conseguir crescer aqui, porque ele não vai deixar-me. Teria que ir cair longe, mas olha onde fiquei...
- Quem és tu? – Perguntou o medronho espantado.
- Sou uma castanha, sem sorte e sem forças para conseguir sair de dentro deste ouriço. As minhas irmãs tiveram muita sorte, mas eu... – Lamentou-se a triste castanha.
Entretanto o dia foi passando e a noite chegou. Longe da protecção dos seus pais, estes dois frutos não conseguiram adormecer. Toda a noite ouviram ruídos estranhos, que até aí nunca se tinham apercebido.
Por eles, passou um ouriço-cacheiro à procura de castanhas para o seu jantar. Apesar de tanto se queixar, a nossa amiga castanha percebeu que afinal era bem melhor estar dentro do ouriço que a protegia, do que ter ficado ao relento, sujeita a ser comida pelo ouriço-cacheiro.
Por ali passaram também uma raposa, alguns ratos-do-campo, uma coruja-do-mato e até um mocho-galego.
Quando recomeçou a chover, o medronho e a castanha apanharam um susto de morte. Desenterrando-se do chão, onde estava escondido, um sapo-de-unha-preta decidiu passear um pouco, e levantou nas suas costas o ouriço com a castanha e o medronho. Rebolando para o lado, estes nossos amigos voltaram a assustar-se, porque sentiram o chão a tremer. Viram vir na sua direcção um vulto muito grande que foçava e soprava ao mesmo tempo. Era um enorme javali, que aparecera para também ele comer castanhas e medronhos.
Brancos de medo e em silêncio, os dois frutos foram sendo arrastados, presos ao ouriço para bem longe dali, uma vez que o javali não parava de foçar o chão à procura de castanhas, medronhos, raízes e outras sementes e, sempre que lhes tocava, aí iam eles para mais longe.
Quando o dia nasceu, o medronho olhou em volta e chamou pela castanha:
- Castanha! Acorda castanha!!!
De dentro do ouriço ninguém respondeu. O silêncio era total e pela primeira vez o medronho sentiu-se sozinho.
- Castanhaaaaa!!! – Gritou ele em voz alta. – Onde estás tu?
Vindo um pouco mais de longe ouviu a resposta: - Estou aqui!!! És tu medronho?
Sim sou eu – respondeu o medronho – onde estás tu?
- Não sei. - Disse a castanha. - Caí de dentro do ouriço quando o javali foçava a terra e fiquei aqui perdida...
- E estás bem? – Perguntou o medronho.
- Não sei. Passa-se algo muito estranho comigo! – Gritou a castanha – Tenho-me sentido a inchar e já saiu de dentro de mim uma perna clara que parece estar a querer espetar-se na terra!
- Ah! Ah! Ah! Não te assustes! – Gritou o medronho. – Daqui a pouco vais sentir também um outro braço a crescer para cima e um dia destes acabamos por nos cumprimentar. Nessa altura já seremos plantas com folhas. Não vês que estás a tornar-te uma árvore?
- A sério?!? Boa! E tu? – Perguntou a castanha.
- Eu, com a chuva acabei por me desfazer, espalhando as minhas milhares de sementes ao longo do caminho. Agora espero que pelo menos uma delas germine e cresça dando um belo e grande medronheiro. – Disse o medronho.
Entretanto os dias foram passando e com a ajuda da humidade os nossos dois amigos conseguiram finalmente serem aquilo que tanto desejavam: árvore e arbusto tal como os seus pais.
Um dia na Primavera já mais altos que as ervas do chão, reconheceram-se finalmente, e olhando em volta repararam que para além deles e dos seus pais, também muitos dos seus irmãos estavam ali crescidos e espalhados pelo campo.
Agora neste Parque Natural, cresce mais uma jovem floresta com árvores e arbustos naturais da região. Entre castanheiros, medronheiros e muitas outras árvores e arbustos, os animais podem hoje abrigar-se, alimentar-se e até reproduzir-se.
Quim Ferreira
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